Arquivo do mês: abril 2023

Se não enfrentar a violência pega

Guilherme Silva*

Milhares de estudantes deixaram de ir às escolas e faculdades, no dia 20 de abril. Não foi feriado por data histórica nem dia santo. O motivo foi o medo, ora veja-se, de irem e não voltarem de lá. São tantos que não há como hierarquizar os graus e tipos de prejuízos. Toda a comunidade escolar e o país perdem muito, material e simbolicamente.

Entende-se comunidade escolar os corpos discentes e os técnicos docentes e administrativos, as famílias, os serviços públicos e a sociedade privada. A escola é responsabilidade de todos. Haja vista a primeira edificação de uma ocupação do MST ser uma escola. O desenvolvimento de uma educação emancipadora, desejada e acessível à toda a sociedade é basilar dos interesses desses três universos políticos e é incompreensível que se aceite o seu abandono.

A condição de sociedade pacificada e justa é muito comum em países desenvolvidos, admirados pelos brasileiros, justamente pela excelência na educação. O Brasil nunca foi a referência mais positiva da questão, e suas escolas não podem ser consideradas campos de paz. Contudo, não havia esse tipo de ataque orquestrado e cinematográfico.

A violência de agora tem origem, mais precisamente, 2018. Ano em que o Brasil elegeu o ódio para a Presidência da República. Sentimento este construído, desde a Lava Jato, quando se criminalizou a política. O candidato que conclamou a população, em discurso de campanha, a metralhar o adversário político, foi eleito.

Não obstante o caráter cretino e maléfico da criatura, soma-se a dependência cultural dos brasileiros. Bolsonaro e bolsonaristas se orgulham de idolatrarem os EUA, país campeão mundial de massacres em escolas. O presidente importou a política armamentista do Tio Sam, na mais completa desregulamentação e não apenas banalizou, mas apoiou a violência contra as minorias.

Agora, os telhados das casas estão cobertos dos frutos das sementes semeadas e a sociedade se pergunta de onde saiu isso. A imprensa venal, cinicamente, trata do assunto como se nada tivesse a ver com isso. Ela já provou não ser o meio mais bem qualificado e confiável para propor esse debate. As forças progressistas deste país devem agarrar esse assunto, com unhas e dentes, e evitar que mais tragédias se repitam.

A comunidade escolar não pode deixar assunto capital nas mãos de quem ganha com a venda de sangue derramado. Tampouco o assunto pode ser dominado pela narrativa conservadora e autoritária de um Estado policialesco. O debate deve ser intenso, perene, bem qualificado, até extinguir das escolas, por completo, o pensamento bolsonarista.

Em vista da maturidade política média do brasileiro, cabe ao governo Lula avançar com campanhas de conscientização. Não apenas dessa violência, mas da indissociabilidade da comunidade e da participação política como condição para extirpar a extrema-direita do Brasil e colocar este país nos trilhos, rumo a uma nação avançada, justa e civilizada.

*Guilherme Silva escrevinha

19 de abril para não esquecer Bolsonaro

Guilherme Silva*

Quinhentos e 23 anos depois, o dia 19 de abril nos obriga a lembrar de seres humanos que ainda não têm essa condição reconhecida. Em que pesem os avanços políticos de proteção dos interesses dos povos remanescentes, em 1500, desde Rondon ao governo Dilma Rousseff, o acesso à cidadania para eles sempre foi mais difícil.

O pouco construído, debaixo de muito sangue indígena, não foi apenas destruído pelo último governo. Ele adotou ostensivas e deliberadas políticas de extermínio de seres humanos, como se fazia com naturalidade, século 16. Não há outra expressão para elas senão genocidas. Bolsonaro garantiu que não demarcaria um cm² de território e deixou crianças yanomami morrerem da fome imposta pelo garimpo que ele autorizou.

O dia de hoje, nos obriga a contemplar o retrocesso causado pela ideologia da extrema-direita, também conhecida por bolsonarismo. Agropecuaristas, madeireiros e garimpeiros tiveram passe livre para avançarem selvagem e desordenadamente suas produções de altíssimos impactos socioeconômicos e ambientais, incentivados a matarem indígenas.

Crianças e mulheres estupradas e mortas, bem como várias lideranças que ousaram defender a casa e a família, além de povos e o meio ambiente poluídos e contaminados. O indígena faz parte da biota. Sem a floresta, ele morre, também. O mundo está no século 21, mas Bolsonaro retrocedeu o Brasil ao século 16, em um projeto genocida.

A data de hoje, exige uma incômoda, mas necessária reflexão acerca do atávico e cruel olhar dos bandeirantes sobre os povos originários, enraizado na sociedade. A classe dominante conseguiu produzir, em mestiços, a consciência de superioridade a partir da vista dos olhos azuis do invasor. Não importa a classe social ou grau de escolaridade, aos olhos destes, os autóctones são selvagens e inferiores.

Culturas e saberes tecnológicos de centenas de povos são tratados como pitorescos, coisas exóticas, atração de circo. Para o desespero dos progressistas e humanistas e, para a alegria da extrema-direita, em quatro anos, Bolsonaro quase destrói por completo cerca de 60 anos de alguns avanços políticos e civilizatórios.

Contudo, não teria ele tempo, muito menos competência para executar sua obra, não fosse a péssima consciência geral da população sobre essa minoria, com o apoio irrestrito de uma imprensa venal, que defende os interesses de seus donos no roubo dos recursos energéticos do país. Assassinatos, entre outros crimes, ocorreram na frente das câmeras, normalizados pelo mídia e sob o silêncio cúmplice da sociedade.

Muito além de combater e desfazer a nefasta política indígena do governo anterior, é imprescindível superar essa consciência abjeta. Isso é mudança cultural e não se faz do dia para noite. O governo Lula é progressista e deu um importante passo simbólico. O presidente subiu a rampa de braço dado com o mundialmente conhecido cacique Raoni Metuktire, de 90 anos.

Porém, o Congresso Nacional é tomado dos interesses dos três setores produtivos. Lula não tem o apoio necessário para estabelecer as justas políticas indigenistas, que devem ser de Estado, definitivamente. Não podem estar sujeitas à provisoriedade de governos. O apoio da sociedade depende do grau de compreensão que ela tem da importância dos povos originários.

À medida do amadurecimento dela, os povos que resistirem verão uma sociedade menos ignorante, mais respeitosa e aberta a se conectar a outras culturas. Até que isso aconteça, diante de um quadro cultural raso e frágil, nada está garantido, pois a classe dominante não descansa enquanto não voltar ao poder e destruir tudo, novamente. Portanto, 19 de abril, de 2023, se coloca como um hipopótamo atrás da orelha da sociedade, que aponta para o perigo de algum vacilo e o retorno da desumanidade, do genocídio das minorias. O dia do indígena impõe a indispensável atenção para não esquecer e impedir a vota do bolsonarismo. Viva os povos originários do Brasil.

*Guilherme Silva esrevinha

Quem ganha com a criminalização?

Guilherme Silva*

O debate sobre os impactos da ilicitude das drogas na sociedade e a possível, viável e necessária descriminalização, no Brasil, é um diálogo de surdos. A Audiência Pública da qual participou o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania do Brasil, Sílvio Almeida, na quarta-feira (12), foi eloquente na demonstração da deficiência política.

De um lado, os superados argumentos de cortar o mal pela raiz. Não demora e militarizam os berçários dos hospitais. Para parlamentares das direita e extrema-direita, adotar uma disciplina militar para superar séculos de exclusão e violência é o caminho. As discussões quanto aos históricos e indecentes prejuízos das contradições socioeconômicas estão fartamente superadas e não cabe outra coisa senão a ação.

Depois de 400 anos de escravidão e mais 134 de marginalidade forçada, esse espectro ideológico entende que o autoritário e binário modelo militar é a solução para garantir uma educação de qualidade e formar cidadãos conscientes, emancipados e livres. Essa é a compreensão a partir do ponto de vista de um capitão donatário.

Na verdade, essa política esconde a intenção de manter a sociedade no cativeiro da desinformação e da obediência, enquanto se ganha muito dinheiro, não com maconha, que serve de cortina de fumaça para esconder o tráfico lucrativo, o de armas e munições sofisticadas e pesadas. É disso que se trata.

Esse é o dinheiro grosso, o da indústria da morte de pobres. A escravocrata e dependente cultural classe dominante brasileira tem os EUA como referência de civilização. Contudo, se faz de tonta diante do processo de descriminalização da planta cannabis naquele país, e o quanto o largo uso da planta está fazendo tão bem ao Fisco, que arrecada cada vez mais das indústrias médica, cosmética, têxtil, recreativa, entre outras aplicações.

Aqui, há que se vencer não apenas um moralismo atrasado, tacanho e hipócrita, mas interesses inconfessáveis de máfias cujos tentáculos estão nas empresas privadas e públicas, nas igrejas, nos Três Poderes e no Ministério Público. O clima do Brasil é ideal para o cultivo da planta. Haveria uma grande dinamização no mercado de trabalho, no comércio, no desenvolvimento tecnológico e industrial e na tributação. Além, é claro, de reduzir a violência, pois maconha significa 70% das apreensões de drogas.

Vão sobrar polícia, Judiciário e MP pra combaterem outros tráficos. Em mais de uma vez, o ministro e os parlamentares progressistas demonstraram que o modelo de guerra contra as drogas está derrotado e num beco sem saída. A rotina das forças de segurança é um trabalho de Sísifo. Manter em funcionamento uma usina de moer gente para combater a violência. Os servidores comprometidos com a função combatem dois crimes organizados, fora e dentro das instituições de segurança e de justiça.

Ações pontuais de suposto sucesso, relatadas pela extrema-direita, foram solenemente solapadas pelos números oficiais que evidenciam o morticínio dos pobres, eminentemente os negros. Contudo, ainda assim, negaram a falência dessa guerra. Em nome da paz e da civilidade, passou da hora de o governo construir campanhas de conscientização e, ao mesmo tempo, atiçar as indústrias interessadas na planta e atropelar o moralismo religioso, o tráfico e o belicismo parlamentares.

No mesmo diapasão, coragem para enfrentar a corrupção, do soldado ao coronel da Polícia Militar, dos agentes aos superintendentes das Polícia Civil e Federal e de todas as hierarquias do Judiciário e do MP. Identificar, acusar, processar, julgar, condenar e fazer cumprir pena um engravatado com foros privilegiados é infinitamente mais complexo que matar supostos traficantes nas periferias, vender anúncio em programas de auditório sanguinolentos, mentir pra sociedade que o Estado faz alguma coisa, lucrar com o tráfico de armas e garantir, todos os anos, orçamentos mais vultosos para a área de segurança, completamente tomada de corrupção.

Quem ganha com a criminalização das drogas?

*Guilherme Silva escrevinha

Regulação não é censura

Guilherme Silva*

Dia a dia, como se vê, mesmo com a derrota de Bolsonaro, o bolsonarismo está mais vivo que nunca. Na verdade, o caráter bolsonarista é mais velho que a própria expressão. É fascismo. A pessoa Bolsonaro agrega absolutamente nada, mas o seu legado pulsa nas redes sociais, que estimulam a crescente violência nas escolas e, por isso, devem ser responsabilizadas.

A disseminação de ódio e mentiras não é tolerada pelas redes sociais, apenas, mas desejada. Elas lucram muito com os cliques que as barbaridades do genocida recebem. Recentemente, a advogada de uma rede social disse ao ministro da Justiça, Flávio Dino, que a referida rede não se importa com mentiras, massacres, discurso de ódio e tudo de mais degradante que gere engajamento.

Esse é mais um motivo para os movimentos populares apoiarem Lula e os parlamentares progressistas, no sentido de se estabelecer regramento à prestação de serviços das big techs. Elas faturam milhões com o tráfego de informações, mas se eximem da responsabilidade pelo conteúdo compartilhado. A inestimável liberdade de expressão não pode ser escudo para a impune propagação de crimes.

A internet é um campo de batalhas diárias. Grande parte das informações veiculadas é negativa do ponto de vista civilizatório, mas fazem muito bem às contas bancárias das big techs. Elas não se preocupam com censura ou qualquer restrição do direito de acesso à comunicação. Convivem muito bem com ditaduras, genocidas e o fascismo é bem lucrativo. O que as aflige é a redução do lucro com a restrição do fluxo de determinados conteúdos, eminentemente, degradantes.

Mas não podem usar esse argumento sob pena de perderem apoio. Assim, a sacrossanta liberdade de expressão é sequestrada por interesses inconfessáveis, sob a conivência dos grandes veículos de informação. Se as redes sociais não criam políticas de proteção à integridade física e moral das pessoas, o Estado tem a obrigação e o direito de regrá-las. Afinal, elas não estão a serviço da democratização do acesso à informação.

Dino, mais uma vez, foi didático ao explicar a uma das redes sociais presentes à reunião no Ministério da Justiça, que os termos de uso dos sites não estão acima das leis e da vida das crianças e adolescentes. Assim como não estão as responsabilidades dos provedores no combate a todos os tipos de violência.

É hora de o governo entrar com campanhas pesadas, expondo o risco que a desregulamentação e o mau uso das redes sociais são para a população, bem como o quanto elas lucram com mentiras e violência. Lula e Dino devem ajudar a construir o apoio popular necessário para pressionar o Congresso Nacional a se debruçar sobre esse problema, que só se resolverá com a regulação.

*Guilherme Silva escrevinha