Arquivo do mês: março 2023

Cardoso confirma Dino

Guilherme Silva*

A audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça, talvez a mais importante da Câmara, para a qual foi convidado o ministro da Justiça, Flávio Dino, confirma e reforça tudo o que disse o ator Pedro Cardoso, durante um falso debate armado por um canal noticioso da extrema-direita. Não obstante a infantilidade de 5ª Série, o maucaratismo da direita não conseguiu produzir um debate que justificasse o convite ao ocupado ministro.

Dino teve infinito e cansativo mais tempo que Cardoso e deu dezenas de aulas, das mais diferentes áreas do Direito. Educador diligente, o professor aplicou a devida pedagogia a uma 5ª Série fascista, que ousou admoestar um importante personagem histórico do nosso tempo, fazendo-o perder horas preciosas do trabalho de ampliar o acesso à justiça aos 215 milhões de brasileiros, para responder a parlamentares mal-intencionados.

Durante a sua apresentação, Dino pulverizou qualquer possibilidade de pergunta da oposição. Respondeu e desqualificou cada uma das interpelações dos parlamentares do clero subterrâneo. Portanto, não havia justificativa alguma para continuar a sessão, que durou cerca de três horas de repetições de perguntas e respostas, que o ministro e a Coisa Pública tiveram de tolerar. Um circo de pilantras armado pela extrema-direita.

Uma vez que os parlamentares insistiram pelo show, professor e juiz experiente e de grande envergadura, deleitou-se em tirar do sério criaturas sem qualificação para amansar burro no mato. Perdulários do erário, passaram estrondosa vergonha na CCJ, como sói à direita. Sem exceção, todos vestiram as carapuças que Dino, sutil e ironicamente, ofereceu às crianças que apresentavam, mais uma vez, do que são feitas. Todos os parlamentares se recusaram, solene e publicamente, a ouvir uma única palavra das aulas gentilmente ministradas por Dino.

Pedro Cardoso teve menos tempo de que o ministro e as circunstâncias foram outras, mas não foi menos incisivo. Ele colocou sal, pimenta, álcool e merthiolate na ferida, ao escancarar a profunda doença de que sofre o Brasil. Não há diálogo nos programas de auditório travestidos de jornalismo, não há interesse pelo pensamento do outro. É apenas uma sucessão de monólogos de cada participante do show, reproduzindo o que o dono da empresa quer dizer. Ao finalizar, Cardoso obrigou a CNN a chamar o próximo bloco. O ator perguntou aos jornalistas se eles são livres.

Dino escancarou situação similar. Durante três longas horas, que poderiam ter durado 20 minutos, poupado recursos públicos e a paciência de quem tinha o que fazer, o ministro respondeu às mesmas perguntas que o primeiro deputado fez, sem necessidade, pois o professor já havia explanado, com maestria, durante a abertura da Audiência Pública. O que variou, com invejável preparo técnico e político, foi o método de explicar para a criatura e aplicar a lição, deixando-a sem resposta.

Ao ministro não passou despercebido o desprezo dos parlamentares pelos seus argumentos, altamente qualificados. Mais sutil ou incisivo, Dino foi implacável com o cinismo dos fascistas que defendem os terroristas de 8 de janeiro e a ruptura democrática. Todos, de alguma forma, foram agraciados com a pedagogia do generoso professor. As assessorias dos deputados devem estar à base de Rivotril.

Ouvir o outro requer empatia, coisa rara hoje. Seja simplesmente pela descrença na humanidade e sua banalidade, ou má-fé, para estabelecer e controlar narrativas e reproduzir a ocupação dos espaços de decisão política. Ao fascista não interessa o que o outro pensa. Ou se é igual ou o outro é passível de ser eliminado. Seguiam em frente com a abjeta e odiosa propagação de mentiras e de ódio. Foi uma batalha campal, no cenário parlamentar, da qual o governo saiu fortalecido e a direita ainda mais desmoralizada. A Câmara, infelizmente, também.

O fim da Audiência foi o que se pode esperar da direita, desrespeitoso e patético. Sem argumento racional e informações verificáveis, a oposição provocou um tumulto que impediu o ministro de concluir suas respostas. Além da arrogância de convidá-lo para um debate inócuo e esdrúxulo, como ele bem qualificou, fica evidente, também, os péssimos caráter e educação dessa gente.

Infelizmente, o ministro jogou xadrez com pombos. Não sabem o que é Regimento Interno e ignoraram a civilidade. Antes de emporcalharem o tabuleiro e baterem asas, cometeram todo tipo de arbitrariedade e desrespeito à Constituição Federal, a quem juraram lealdade. A Audiência Pública serviu para, mais uma vez, demonstrar o hediondo preconceito desses parlamentares com as populações periféricas, o desconhecimento das leis e a tradicional má-fé dos donos dos poderes políticos e econômicos.

Guilherme Silva escrevinha

O mofo do Novo Ensino Médio

Guilherme Siva*

O debate sobre o Novo Ensino Médio revela bem a distância que este país está da civilização. Quase 60% do público consultado preteriu Paulo Freire em favor do nome de um bandeirante para batizar uma estação do metrô de São Paulo. Isso não deixa dúvida da herança de barbárie e exclusão de 400 anos de uma escravidão abolida no papel. As últimas operações da Polícia Federal confirmam.

Em 2023, o Brasil ainda discute um projeto atrasado e danoso para o país, que remete aos anos 1980, senão de muito antes. A sociedade brasileira já deveria ter alcançado maturidade para impedir que essa excrescência tramitasse no Congresso. O N. E. M. propõe reproduzir um país de segunda categoria, submetido a outras nações.

É uma vergonha uma nação ter uma população que permite a seus líderes colocarem os brasileiros em condição subalterna, mão de obra barata fritar o hambúrguer, recolher o lixo e limpar a privada do gringo. O que não falta é competência aos brasileiros para desenvolver tecnologia e levar o país, da condição de exportador de matéria-prima para exportador de tecnologia e mão de obra qualificada.

O modelo é proposto pela classe dominante, detentora dos poderes políticos e econômicos, cujas veias são irrigadas de sangue bandeirante. Faz todo o sentido. No lugar de investir na pedagogia para conquistar autoridade perante os educandos, sempre inquietos, questionadores e inteligentes, os donos dos meios de produção propõem um Ensino Básico formador de mão de obra barata, obediente e disciplinada.

A história vai cobrar caro de todos os profissionais da educação, da comunicação e dos agentes públicos que se prestaram em não apenas colocar em debate esse retrocesso vergonhoso, mas propor regulamentação dessa submissão cultural. Quem defende esse projeto não tem respeito nem compromisso com a educação, com os estudantes e, muito menos, com o país.

A escola civil-militar é outro escândalo que vai causar profundo constrangimento a muitas pessoas que as defendem. Infelizmente, historicamente excluídos da competência de criticar, a imensa maioria de estudantes e pais não percebem o Estado se omitir da obrigação de garantir, educação, saúde, oportunidade de trabalho, lazer, cultura, saneamento básico, mobilidade moradia dignos. Enfim, acesso à cidadania.

Os jovens reagem à ausência de Estado, reclamam inclusão, sem que as famílias consigam acolher suas demandas. Frustradas e cansadas, elas sucumbem ao discurso falso moralista do respeito aos códigos sociais, internalizado por meio de uma pedagogia truculenta. Governos omissos, descomprometidos com a sociedade, transferem a educação para a Secretaria de Segurança Pública, com pompas e circunstâncias, no papel de uma administração empenhada no desenvolvimento democrático e justo.

A iniciativa revela todo o caráter autoritário e incompetente de um governo. Filhos de pobres são entregues a uma disciplina militar que tem na população uma inimiga a ser combatida, principalmente a pobre. No caso, são policiais saídos de numa academia, onde a formação é receber farda, armas, munição e uma tabela de cores de pele que definem quem deve ou não ser abatido. Eugenia de Estado.

Constrói-se, então uma escola que julga e condena o tamanho dos cabelos e o adereço que o jovem traz na bolsa, na roupa ou no corpo. Segundo a pedagogia militar, isso determina o caráter da pessoa. A PM obriga estudante a cortar os cabelos, se vestir de maneira padrão e se comportar segundo a disciplina militar, como se isso fosse referência em educação. A polícia não tem competência alguma para estar numa escola.

A academia de polícia é onde a pedagogia ensinada e aplicada é inversa à do patrono da educação brasileira. Que tipo de cidadão sairá dessas escolas profissionalizantes e militarizadas? O caminho oferecido pelo N. E. M. das primeiras limita os estudantes a uma formação técnica, sem acesso a disciplinas como, História, Sociologia e Filosofia. Forma-se um trabalhador a quem é negado adquirir a competência de criticar.

Já as segundas, além de um estudante limitado (porque essas disciplinas praticamente desaparecem da grade curricular) sai, não apenas obediente e disciplinado, mas embrutecido pela pedagogia do autoritarismo e da violência, aplicada pela PM. Esse será um forte candidato a se incorporar ao exército estatal de pobres que protege a propriedade da classe dominante e mata pobres. De volta ao Brasil do carro de boi, de onde parece que o país ainda não saiu.

*Guilherme Silva escrinha