Arquivo do mês: dezembro 2021

O Brasil paralelo é real e golpista

Guilherme Silva*

A maneira como o Brasil é tratado pelas classes dominantes, local e mundial, guarda semelhança apenas com o período colonial, do qual parece que nunca o país sai. A despolitização geral, que Lula chamou a atenção no PodPah, impede a sociedade de se indignar suficientemente para barrar a total destruição da nação, por Paulo Guedes e Bolsonaro, a marretadas. Por muito menos, com apoio internacional, uma presidenta honrada, honesta e republicana foi deposta.

Um celerado governa o país, mas é tratado pela imprensa comercial e pelos órgãos de fiscalização e controle, que ele manipula, como estadista. Todas as afrontas às leis que implicam crimes de responsabilidade foram toleradas, caricaturizadas e perigosamente banalizadas. O macabro pateta atrasou, em nove meses, a compra de vacinas, sob um esquema fraudulento e homicida. Mentiu e causou apreensão na população quando afirmou que a vacina transformaria a pessoa em jacaré e inocularia Aids. Não é um comediante de mau gosto, mas o presidente do Brasil.

A gravidade do fato mereceu a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que enquadrou Bolsonaro, seus filhos e o governo em vários crimes para os quais a pena é a prisão. Contudo, depois da espetaculosa CPI, da qual muitos senadores fizeram palanque, ao que parece, está destinada às calendas. Mais de 600 mil mortes, experiências macabras, superfaturamento e atraso na compra de vacinas são ignorados pelo procurador-geral da República, por interesses inconfessáveis, que são os mesmos que fazem a imprensa comercial omitir o escândalo humanitário.

Esse filme surreal é mantido no ar por certa mídia, com a plena confiança na despolitização popular, sem organização suficiente para enfrentar o desmantelamento e restituir centenas de direitos que foram solapados, desde o golpe de 2016. Os crimes cometidos pelo governo foram noticiados e detalhados pelos maiores veículos de imprensa do mundo e são analisados por tribunais internacionais. No Brasil, os jornalistas fazem a sociedade acreditar que o clima é o culpado pelo desastre econômico e pela fome que assola mais de 120 milhões de brasileiros.

A quadrilha conseguiu contaminar os poderes da República e lidera a destruição das regras, dos protocolos republicanos de coexistência, dos direitos fundamentais. O Brasil está perdendo todas as políticas que promoveram o mínimo de justiça, de avanço civilizatório e inserção econômica e social. O líder do governo na Câmara dos Deputados apresentou um projeto que vai permitir ao parlamentar barganhar com alimento destinado a escolas. Até o momento, nenhum jornalista perguntou a ele qual o interesse de um parlamentar passar a ter poder de decisão sobre a destinação de alimento para comunidades escolares.

Esses e outros absurdos, aparentemente tirados de uma versão terror de o “O Bem Amado”, de Dias Gomes, tornaram-se corriqueiros, expondo o bem à vontade trânsito da classe dominante sobre a cabeça dos brasileiros. Não se sabe qual dos poderes se inclinou mais para os desmandos de um ditador ridículo, bufão, tirado dos mofados arquivos da ditadura. Ao contrário de Lula e de Dilma, que indicaram ministros e diplomatas sob as regras republicanas, o Genocida indica conforme a necessidade de proteger ele e sua família, determinado por líderes religiosos inescrupulosos ou por interesse de vender algum patrimônio brasileiro.

Tudo em volta dos brasileiros está ruindo, com mais gravidade para os pobres, que são os primeiros a sentir a crise. São mais de 120 milhões de brasileiros que mal conseguem se alimentar, e outros 20 milhões sem absolutamente qualquer coisa para comer. Desde Temer, confiando na inação da classe trabalhadora, o mercado financeiro impõe a 4ª reforma trabalhista. As três primeiras edições não criaram os postos de trabalho prometidos, desvalorizaram o trabalho, aumentaram o lucro dos patrões e retiraram as proteções conquistadas com o suor e o sangue dos trabalhadores.

Apesar do derretimento de Bolsonaro, não há sinais no horizonte que indiquem a sua deposição. Pelo contrário, está em segundo lugar nas intenções de voto, para 2022, perdendo somente para Lula. A maior ameaça a ele é o juiz parcial, aquele que prendeu o ex-presidente para o Genocida vencer as eleições, de 2018. É necessário ressaltar que, de dentro de uma cela, Lula colocou Haddad no 2º turno, que só perdeu devido à indústria de mentiras e detratações de Bolsonaro.

A imprensa não pressionou o TSE para cassar a chapa. Afinal, com certeza, a fraude eleitoral não tinham a mesma gravidade que pedaladas fiscais. Esse pesadelo, ao que parece, não terá fim, mesmo com a eleição de Lula. Derrotar Bolsonaro é apenas uma parte. A outra, mais complexa, é elevar o nível cultural do Brasil para que os bolsonaristas sejam devidamente desqualificados e tenham vergonha de se apresentarem, novamente. Essa meta passa, obrigatoriamente, pela democratização da produção e do consumo de informação.

Da maneira como a imprensa assessora o juiz parcial, a meia dúzia de famílias que controla a produção e o consumo de comunicação deixa claro que não está interessada em considerar pluralizar. Ela fará de tudo para não perder o poder de escolher o que os mais de 213 milhões de brasileiros devem ler, ouvir, assistir. Enfim, não será fácil fazer a casa-grande entender que ela não tem um suposto direito divino. De qualquer modo, vai ser bom para identificar bem o lado em que os profissionais de comunicação escolheram para morar na eterna história.

*Jornalista

A imprensa casa-grande

Guilherme Silva*

A atual conjuntura tem uma personagem pilar da sua formação, a imprensa comercial. Aquela que deu o golpe e elegeu Bolsonaro. De 2014 a 2016, ocorreu o maior erro de apuração jornalística da história da imprensa brasileira. Todos os maiores veículos do Brasil, não apenas compraram a versão da quadrilha Lava Jato, sem questionar, bem como elevaram à condição de estrelas meliantes que ofenderam e expuseram o Ministério Público Federal e a 13ª Vara de Curitiba.

Qual a explicação dos mais famosos jornalistas da imprensa rica para o que se revelou a Lava Jato? Hoje, ela é mundialmente reconhecida como uma farsa urdida e executada pelos capitães donatários do Brasil, cuja bestialidade e o ódio contra a senzala estão expressos nos 521 anos de escravidão, dos quais, 400 extintos oficialmente. A L. J. existiu para atender a interesses estrangeiros, sabujismo atávico da classe dominante brasileira. Foram dois anos de intenso bombardeio única e exclusivamente contra o Partido dos Trabalhadores, entre todos os partidos citados no teatrinho.

Corrupção não se discute, combate-se. Não há justificativa. E foi isso que o PT fez. Valorizou os órgãos de fiscalização, controle e repressão ao crime, tanto materialmente, quanto com a garantia de autonomia. Todavia, o PP foi recordista em número de quadros citados na Lava Jato. A invisibilidade nos sucessivos capítulos da novela diária do Jornal Nacional, deu a eles a oportunidade de reeleição, pela mesma sigla, inclusive. Isso sem contar os tucanos, que passaram incólumes. Afinal de contas, não é de bom tom, como disse o juiz ladrão, melindrar aliado.

Não há Ray Ban que suavize a rutilância dos fatos que provam a suspeição do Moro, que pulverizaram as convicções de Dallagnol e fazem Lula alcançar a 22ª e última vitória na justiça contra a farsa orquestrada por uma quadrilha de traidores, que entregaram o país ao mercado financeiro, sob a assessoria agressiva e despudorada dessa parte da imprensa. Somente uma grande e bem montada estrutura de mentiras é capaz de sustentar a invisibilidade e esconder o mau cheiro que exala da putrefata quadrilha de Curitiba.

Dos jornalões, não se pode esperar qualquer retratação porque são a legítima representação dos interesses da casa-grande. Aos donos, não importa como suas marcas passarão para a história, pois não são veículos de imprensa, mas apenas empresas destinadas à manipulação da opinião pública para preservar e ampliar os privilégios de classe. Porém, conteúdo não brota nos espaços dos veículos. Ele é construído por profissionais que têm como princípio basilar do seu labor, ou deveriam ter, a exigente apuração dos fatos.

Jornalistas prestigiados, independentemente da competência para tal, foram correia de transmissão de uma operação que, oficialmente, corria em segredo de justiça. Às seis da manhã, chegavam com os agentes da Polícia Federal onde seriam cumpridos mandados de prisão e/ou de busca e apreensão. Não importava quem fosse, tivesse feito ou não, as matérias sempre sugeriram que era uma corrupção sistêmica do PT, ainda que o preso não tivesse qualquer relação com o partido.

Sem apurar, muitos jornalistas acusaram, julgaram e condenaram o PT e seus quadros, posteriormente inocentados. Devem a pessoas e a instituições retratação pela falha na apuração e a consequente execração pública. Não é necessário aprofundar nos exemplos de hostilidade para lembrar os ataques de colunistas renomados, que diziam o que bem entendiam, sem comprovação, desde que em consonância com a farsa., Hoje, estão todos calados. Perderam as fontes?

Não era necessário apurar, porque a quantidade de ódio inoculada na população contra o PT impediria que alguém desse ouvidos a qualquer versão que não fosse a favor da operação e contra o partido. Há um renomado jornalista que, do alto da sua, até então, inabalável credibilidade, confiando cegamente em Moro e Dallagnol, cunhou a expressão “petralha”. Até hoje, o arrogante disseminador de ódio e mentiras não se retratou com a sociedade, a quem ele enganou e deve satisfações e nem com o PT, a quem vilipendiou. O mesmo jornalista já mais de uma vez cobrou autocrítica de Lula, mas ainda não fez a sua.

No embalo do golpe e do projeto de extinguir o PT, sabendo perfeitamente quem é Bolsonaro, essa imprensa o elegeu na vã esperança de civilizá-lo. Desde 2019, vive num interminável malabarismo para torná-lo digerível, ao mesmo tempo em que se contorce para esconder a deletéria política econômica do ministro Paulo Guedes. Ela começou por retratá-lo como um presidente pitoresco, passou para caricato, depois atabalhoado, irascível, até ser constrangida a dar a cara para o fato de que seu ditador genocida é, também, como ela já sabia, dono de uma antiga indústria de corrupção.

É necessário colocar a imprensa corporativa na roda. Ela mentiu, em 2014, apoiou os golpes, de 1964 e 2016, e elegeu Bolsonaro. Agora, com a presença do juiz ladrão no cenário eleitoral, os mesmo jornalistas o incensam, sem questionar absolutamente nada sobre as contradições e mesmos crimes cometidos pelos delinquentes de Curitiba. Até Bolsonaro, a depender da quantidade de vergonha na cara, jornalistas profissionais podiam alegar engano. Ao apoiar o juiz ladrão, perdem o direito a esse atenuante, que passa a ser agravante do maucaratismo.

Enfim, é necessário denunciar em alto e bom som a assessoria de imprensa que a mídia hegemônica faz para o juiz ladrão, descaradamente, sem meias palavras, debaixo dos olhos dos órgãos de fiscalização e controle e à margem de tudo o que venha a ser jornalismo. Da história, nenhum deles escapa, o que já é um alento. Contudo, esse comportamento revela porque as conferências nacional, estadual e municipal de comunicação, criadas por Lula, foram sistematicamente sabotadas pela concentração de espaço da ágora nas mãos de meia dúzia de famílias.

Pelo mesmo motivo e com a mesma intensidade de ódio, essas famílias são contra a regulação da mídia, proposta central das conferências. Mais uma contradição do suposto caráter democrático da classe dominante. Ao mesmo tempo em que acusa a esquerda de totalitária e antidemocrática, essa minoria populacional controla o que mais de 213 milhões de brasileiros leem, ouvem e assistem. Com dor ou pacificamente a democratização da produção e do consumo de comunicação é condição para o Brasil superar o atraso cultural. Essa conquista será contra a imprensa corporativa.

*Jornalista