Guilherme Silva*
A maneira como o Brasil é tratado pelas classes dominantes, local e mundial, guarda semelhança apenas com o período colonial, do qual parece que nunca o país sai. A despolitização geral, que Lula chamou a atenção no PodPah, impede a sociedade de se indignar suficientemente para barrar a total destruição da nação, por Paulo Guedes e Bolsonaro, a marretadas. Por muito menos, com apoio internacional, uma presidenta honrada, honesta e republicana foi deposta.
Um celerado governa o país, mas é tratado pela imprensa comercial e pelos órgãos de fiscalização e controle, que ele manipula, como estadista. Todas as afrontas às leis que implicam crimes de responsabilidade foram toleradas, caricaturizadas e perigosamente banalizadas. O macabro pateta atrasou, em nove meses, a compra de vacinas, sob um esquema fraudulento e homicida. Mentiu e causou apreensão na população quando afirmou que a vacina transformaria a pessoa em jacaré e inocularia Aids. Não é um comediante de mau gosto, mas o presidente do Brasil.
A gravidade do fato mereceu a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que enquadrou Bolsonaro, seus filhos e o governo em vários crimes para os quais a pena é a prisão. Contudo, depois da espetaculosa CPI, da qual muitos senadores fizeram palanque, ao que parece, está destinada às calendas. Mais de 600 mil mortes, experiências macabras, superfaturamento e atraso na compra de vacinas são ignorados pelo procurador-geral da República, por interesses inconfessáveis, que são os mesmos que fazem a imprensa comercial omitir o escândalo humanitário.
Esse filme surreal é mantido no ar por certa mídia, com a plena confiança na despolitização popular, sem organização suficiente para enfrentar o desmantelamento e restituir centenas de direitos que foram solapados, desde o golpe de 2016. Os crimes cometidos pelo governo foram noticiados e detalhados pelos maiores veículos de imprensa do mundo e são analisados por tribunais internacionais. No Brasil, os jornalistas fazem a sociedade acreditar que o clima é o culpado pelo desastre econômico e pela fome que assola mais de 120 milhões de brasileiros.
A quadrilha conseguiu contaminar os poderes da República e lidera a destruição das regras, dos protocolos republicanos de coexistência, dos direitos fundamentais. O Brasil está perdendo todas as políticas que promoveram o mínimo de justiça, de avanço civilizatório e inserção econômica e social. O líder do governo na Câmara dos Deputados apresentou um projeto que vai permitir ao parlamentar barganhar com alimento destinado a escolas. Até o momento, nenhum jornalista perguntou a ele qual o interesse de um parlamentar passar a ter poder de decisão sobre a destinação de alimento para comunidades escolares.
Esses e outros absurdos, aparentemente tirados de uma versão terror de o “O Bem Amado”, de Dias Gomes, tornaram-se corriqueiros, expondo o bem à vontade trânsito da classe dominante sobre a cabeça dos brasileiros. Não se sabe qual dos poderes se inclinou mais para os desmandos de um ditador ridículo, bufão, tirado dos mofados arquivos da ditadura. Ao contrário de Lula e de Dilma, que indicaram ministros e diplomatas sob as regras republicanas, o Genocida indica conforme a necessidade de proteger ele e sua família, determinado por líderes religiosos inescrupulosos ou por interesse de vender algum patrimônio brasileiro.
Tudo em volta dos brasileiros está ruindo, com mais gravidade para os pobres, que são os primeiros a sentir a crise. São mais de 120 milhões de brasileiros que mal conseguem se alimentar, e outros 20 milhões sem absolutamente qualquer coisa para comer. Desde Temer, confiando na inação da classe trabalhadora, o mercado financeiro impõe a 4ª reforma trabalhista. As três primeiras edições não criaram os postos de trabalho prometidos, desvalorizaram o trabalho, aumentaram o lucro dos patrões e retiraram as proteções conquistadas com o suor e o sangue dos trabalhadores.
Apesar do derretimento de Bolsonaro, não há sinais no horizonte que indiquem a sua deposição. Pelo contrário, está em segundo lugar nas intenções de voto, para 2022, perdendo somente para Lula. A maior ameaça a ele é o juiz parcial, aquele que prendeu o ex-presidente para o Genocida vencer as eleições, de 2018. É necessário ressaltar que, de dentro de uma cela, Lula colocou Haddad no 2º turno, que só perdeu devido à indústria de mentiras e detratações de Bolsonaro.
A imprensa não pressionou o TSE para cassar a chapa. Afinal, com certeza, a fraude eleitoral não tinham a mesma gravidade que pedaladas fiscais. Esse pesadelo, ao que parece, não terá fim, mesmo com a eleição de Lula. Derrotar Bolsonaro é apenas uma parte. A outra, mais complexa, é elevar o nível cultural do Brasil para que os bolsonaristas sejam devidamente desqualificados e tenham vergonha de se apresentarem, novamente. Essa meta passa, obrigatoriamente, pela democratização da produção e do consumo de informação.
Da maneira como a imprensa assessora o juiz parcial, a meia dúzia de famílias que controla a produção e o consumo de comunicação deixa claro que não está interessada em considerar pluralizar. Ela fará de tudo para não perder o poder de escolher o que os mais de 213 milhões de brasileiros devem ler, ouvir, assistir. Enfim, não será fácil fazer a casa-grande entender que ela não tem um suposto direito divino. De qualquer modo, vai ser bom para identificar bem o lado em que os profissionais de comunicação escolheram para morar na eterna história.
*Jornalista